Silenciadas, outra vez e como sempre.

 

São dias desafiadores para ser mulher.

Entre todas as notícias, histórias e relatos, entre todos os olhares, as cantadas, os assédios, as violências. Enquanto mulheres, crescemos aprendendo que precisamos estar sempre atentas, alertas, porque muita coisa pode acontecer.

Vivemos em uma sociedade machista, marcada pela objetificação dos nossos corpos, pelo desprezo a nossa inteligência e competência,  pela violência que nos assombra.

Toda mulher aprendeu a observar o ambiente, pensar suas roupas, achar rotas de fuga, correr, trocar de calçada, temer andar sozinha. A gente tem medo, porque bens materiais são as coisas menos valiosas que podem levar de nós.

Aprendemos bem rápido, que no nosso mundo, na balança do "ele disse, ela disse", nossa voz não vale nada, mesmo que todo o peso da verdade esteja do nosso lado. Porque o que "ele" diz é fato, o que nós dizemos é "loucura, mentira e manipulação".

Ou então, nossa voz até é ouvida, mas a culpa é nossa. "Ela provocou", "viu a roupa que ela estava usando?", "eu bati nela porque ela estava gritando comigo", "beijei mesmo, ela disse não, mas eu sei que ela queria" e por aí vai.

A culpa das violências que a gente sofre sempre cai nos nossos ombros. Não importa onde aconteça, se em casa, na rua, no trabalho, na escola, no ônibus, no trem, nas redes sociais, na faculdade, na viagem, de alguma forma, vão culpar a gente. E se não formos o bode expiatório da culpa, seremos o escudo utilizado para limpar a imagem dos homens que nos violentaram, o clássico "eu tenho mãe, vó, irmã, tia, prima, filha", como se ter mulheres na própria vida fosse motivo suficiente para impedir que homens firam mulheres.

Nossas denúncias são sempre diminuídas, nossa voz silenciada, nossas histórias apagadas, nossos direitos roubados, nossa identidade posta em dúvida. A gente precisa gritar muito alto e o tempo todo, pra ser minimamente ouvida e, na maioria das vezes, sermos desconsideradas em nossas dores e isso é exaustivo. 

Em contrapartida, homens se defendem, se protegem, ou se omitem. Seu amigo faz piada e você ri, assedia uma mulher e você se cala, bate na namorada na sua frente e você acalma ele e diz pra ela que "ele errou mas te ama". E em nome de "não abandonar um amigo que errou, porque ele tem um bom coração" você fica, mas não corrige, não cobra mudança, ou pior, se comporta da mesma forma e perpetua a violência. Ele merece defesa, a vítima que recolha suas dores e se vire, até porque "a gente nem sabe se ela falou a verdade", mesmo que ele tenha sido condenado pela justiça (óbvio, quando os homens que compõe o aparelho de justiça escolhem fazer justiça a vítima ao invés de proteger o agressor). As lágrimas que eles derramam quando são expostos são mais valorizadas e recolhidas do que as lágrimas que derramamos pela dor que nos foi infligida, e isso também é violência.

Aos homens que chegaram até essa parte do texto enfurecidos com a generalização, espero que sua indignação seja pelo desejo de mudar a realidade que vivemos, que seja pela sua intolerância com os amigos que fazem piada machista, assediam, agridem, estupram e praticam violência. Que seja por se dar conta da realidade que vivemos enquanto mulher e não estar mais disposto a se conformar com ela. Porque se a razão da sua raiva for o quanto a verdade te ofende, provavelmente você é parte do problema, senão pela ação, pela omissão.

Não, eu não quero tornar homens em inimigos, não quero generalizar e dizer que todo homem é violento ou agressor. Nós, mulheres, precisamos que aqueles de vocês que respeitam mulheres saiam da inércia, que juntem suas vozes e ações as nossas pra que haja mudança. O que nós queremos é que vocês entendam que a inação de vocês também faz parte do problema, que o silêncio de vocês contribui para que homens violentos falem mais alto, e que repetidamente, mulheres sejam silenciadas.

Porque o problema não está em sermos mulheres, está em uma sociedade que normalizou a violência contra nós. É preciso uma sociedade inteira para mudar isso, para mudar a cultura, para gerar valores de respeito e cuidado com mulheres, para que amanhã, as nossas meninas sejam mulheres seguras, protegidas e esperançosas.


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