Quando a dor silencia.
Faz duas semanas que não consigo escrever direito. Meus textos pararam no meio, aqueles para os quais havia ideias, não havia boa escrita e o que já estava escrito parecia não se encaixar nas novas ideias.
Dias como esses, em que as palavras se tornam desconexas e parecem perder o sentido, são dias difíceis. Dias em que o mundo das palavras deixa de ser um refúgio seguro e estável e fica esvaziado, de sentido, de propósito e parece que um pouquinho da força desse mundo também se vai. E então, até para aqueles que usam as palavras, elas parece
m faltar e nos sobra a tentativa de recuperar as palavras e achar um caminho pra devolver a voz do mundo.
Essas semanas foram cheias desses dias. Dias em que a dor de muitos parecia ser tudo o que podíamos sentir, especialmente se somarmos o medo avassalador e uma pontinha de desesperança. Quando uma sociedade vê suas crianças serem coagidas, amedrontadas, atacadas e assassinadas, especialmente em lugares que deveriam garantir proteção e segurança, ela revela quão profunda se tornou sua falência. Sim, não sermos capazes de proteger nossas crianças é um sintoma de uma sociedade profundamente adoecida e falida. Quando vemos tanto ódio e violência, em cenas revoltantes de pessoas sendo surradas pela cor da pele e o preconceito que mata milhares no nosso país, nos lembramos do quanto falhamos em modificar nosso passado e construir um futuro justo.
Não, este não é mais um texto sobre os atentados, sobre ódio ou violência, eu nem sou a pessoa indicada para debater temas tão complexos. Essa é uma tentativa de que as palavras nos encorajem diante da dor, que nos encontre e nos posicione pra tentar mudar as coisas, que nos faça olhar além do umbigo, das nossas vontades, desejos e ideologias vazias que só nos levam a mais ódio.
Porque dias como esses, onde parece que tudo o que podemos fazer é nos unir com os que choram, já que tudo o que conseguimos fazer é chorar e nos indignar. Dias em que parecem que nossas lágrimas não se findam, não se esgotam, não cessam. Dias em que juntamos nossas vozes, silêncios, dores e lutos a tantos outros. Dias em que nos unimos àqueles que sepultam seus mortos enquanto nos lembramos daqueles a quem tivemos que dizer adeus e de todos os outros que estão aqui e nos sentimos incapazes de proteger.
Dias diante dos quais nos colocamos perplexos, abatidos, horrorizados, enfurecidos, alarmados, pesarosos, apavorados, enlutados e choramos. Choramos porque qualquer tentativa de luta não mudará o que passou, porque teremos sempre na memória que nos levantamos tarde demais, que falamos tarde demais, que nos importamos tarde demais. Mas nos levantamos, porque nossas dores são marcas que nos lembram que a inércia é um perigo, que é preciso fazer alguma coisa, é preciso encontrar as palavras de novo e fazer delas coro alto o suficiente para que não haja mais ouvidos surdos, olhos indiferentes e negligências avassaladoras.
Para que, amanhã, haja esperança.
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